sábado, 25 de setembro de 2010

Um exercício brilhante de "spinning" político

Nas últimas 48 horas assistimos em Portugal ao mais "genial" exercício de "spinning" político (controlo da agenda politica mediática colocando temas fortes para dissimular outros temas mais incómodos) jamais realizado em Portugal.

Para perceber a situação vamos aos factos:
- Na sequência do que foi apresentado pelo Sr. Primeiro-Ministro como o resultado de uma "mundança no Mundo" que terá afectado não só Portugal mas também "a maior parte das economias avançadas" ocorrida em finais de Abril da qual terá sido informado pelos seus congéneres europeus em Bruxelas, o Governo negociou com o PSD um conjunto de medidas de austeridade que incluia um conjunto de medidas que incluia um aumento da carga fiscal e medidas de contenção da despesa (ver anexo I - página 50 e seguintes aqui) que de acordo com  o Relatório de Orientação da Política Orçamental de Julho (!!) permitiriam atingir um défice de 7,3% já em 2010, tendo o primeiro ministro referido que "O nosso PEC é um programa com medidas adicionais que se destinam a satisfazer os novos objectivos orçamentais, para este ano e para o próximo ano, nós não temos a mínima dúvida que essas medidas são suficientes para responder a esses objectivos" e, ainda em 16 de Setembro (!!!), o ministro Silva Pereira reafirmou que o objectivo do défice sem anunciar a necessidade dizendo que a evolução das contas públicas estava "dentro dos limites orçamentados".
- Infelizmente, apesar do razoável comportamento da receita fiscal, a evolução quer da receita não fiscal quer da despesa corrente primária não tem sido a mais positiva tornando inviável o cumprimento dos objectivos do défice para 2010 pelo menos sem a implementação de medidas adicionais, conforme foi explicita e clarissimamente referido pelo ministro das Finanças na passada 5.ª feira, em declarações que sinceramente apenas podem ser interpretadas no sentido de que a (verdadeira) situação orçamental é ainda pior do que os analistas e o "mercado" receavam. E, além disso, que o objectivo de baixar o défice para 4,6% no próximo ano vai exigir medidas duras quer do lado da despesa quer do lado da receita (ou seja novo aumento de impostos), contrariando as garantias anteriores.
- Perante esta situação e a previsivel (má) reacção dos mercados internacionais, o Governo premiou-nos com uma brilhante estratégia política com o claro objectivo de atribuir (pelo menos) uma parte das culpas ao PSD.
- Como aquilo que estava a preocupar fundalmentalmente os mercados era a evolução da execução orçamental em 2010, relativamente à qual o PSD tinha dado o seu contributo de forma exemplar (pelo menos se descontarmos alguns avanços e recuos no "caso" das SCUTS), o Governo optou pela estratégia clássica de criar uma cortina de fumo procurando confundir as questões relacionadas com a execução orçamental de 2010 e da discussão do OE para 2011.
-  Para obter este efeito, o ministro Silva Pereira veio, antecedendo a  intervenção do Ministro das Finanças no Parlamento, tornar público que o PSD tinha recusado qualquer negociação prévia com o objectivo de garantir o Orçamento para 2011, acusando o PSD "de não estar à altura das suas responsabilidades", dando o tom para a intervenção do Ministro das Finanças no Parlamento onde este acusou o PSD de estar apenas a criar “pretextos para se furtar à sua responsabilidade”, tal como fez no caso das SCUT" considerando que “o nervosismo, o populismo e o alarmismo do PSD estão a influenciar os mercados internacionais” e refdizendo rejeitar “veementemente o tom de ultimato, de alarmismo e de chantagem que o PSD tem vindo a colocar na discussão” sobre a actual crise económica e o desafio orçamental.
- Esta estratégia prosseguiu com a entrevista de Silva Pereira à RTP que serviu sobretudo para fazer subir o tom de dramatização da ameaça de crise política, procurando responsabilizar o PSD pela turbulência nos mercados financeiros.
- No meio de toda esta actuação tivemos ainda direito a uma discussão estéril sobre se o PS teria ou não colocado como condição prévia para a negociação do OE que o PSD aceitasse um (novo) aumento de impostos.
- Para completar a encenação as segundas linhas Jorge Lacao e Vieira da Silva vieram considerar as reacções do PSD como "desproporcionadas" e pedidos de "contenção verbal à oposição".
- No curto prazo a estratégia do Governo parece ter funcionado de forma quase perfeita. O país "político" está agora ocupado a discutir da forma habitual (ou seja como se se tratasse de um estilo Benfica-Sporting) quem fala verdade sobre o que foi (ou não) dito na reunião entre Sócrates e Pedro Passos Coelho e em saber se o Presidente da República irá (ou não) conseguir que PS e PSD se entendam quanto à viabilização do OE para 2011.
- E as questões de somenos relativas à execução orçamental de 2010, à evolução dos yields da dívida pública (que estão próximos dos 6,5% para as OT's a 10 anos) ou as medidas (duras) que será necessário tomar quer na parte que falta do corrente ano quer para 2011 parecem estar, pelo menos por agora, relegadas para segundo plano.
- Pena que o PS / Governo não revele a mesma eficácia no que se refere à consolidação orçamental.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Sócrates e os temas desagradáveis

Não sei porquê, mas as declarações de Sócrates de que "Há muito tempo para falar sobre a dívida" e o facto de o Governo ter deixado ao Secretário de Estado do Tesouro a incumbência de proferir as principais declarações sobre a situação das contas públicas fizeram-me recordar este sketch do Gato Fedorento.

domingo, 19 de setembro de 2010

Notas sobre a semana que passou

Mensagem da Ministra da Educação - Mais do que as questões de forma ressalta o conteúdo verdadeiramente confrangedor e onde podemos encontrar pérolas como esta: "Estudar desenvolve o cérebro. Se nós gostamos de desporto e se gostamos da prática desportiva (...), o estudo é essa prática para o cérebro. Nós ficamos com o cérebro mais forte, mais capaz" em que se reduz o estudo a uma espécie de substituto do soduku.

TGV - É verdade que como diz o Governo e o PS a anulação do concurso do troço Lisboa-Poceirão já tinha sido anunciada em Maio. Mas numa área em que tem sido muitas as contradições e os avanços e recuos a confirmação dessa decisão não deixa de ser de assinalar.

Banca - Os avisos dos banqueiros (ver aqui e aqui) são bem elucidativas das dificuldades para manter o financiamento à economia portuguesa.

Revisão constitucional - Um projecto em que são alterados 76 artigos, revoga outros 25 artigos e adita 4 artigos, merecia certamente um debate e uma discussão mais alargada do que os três artigos que têm dominado a agenda mediática, mas a verdade é que a responsabilidade da ausência desse debate é em grande medida culpa do próprio PSD. Muitas das (outras) alterações propostas suscitam-me as maiores dúvidas e sinceramente esperava que o ABC da Revisão Constitucional disponível no site do PSD me pudessem elucidar alguns aspectos da proposta. Fiquei por isso surpreendido que as FAQ se limitem a responder às criticas relativas àquelas três areas e diga-se, aliás, de forma muito pouco convincente. Por exemplo tentando justificar a utilização da expressão "razão legalmente atendível” diz-se que "visa, unicamente, adequar o texto da Constituição à realidade. O Código do Trabalho já prevê, hoje em dia, outros despedimentos, para além dos despedimentos com “justa causa”, como por exemplo os “despedimentos colectivos”, os despedimentos por “extinção do posto de trabalho” ou os despedimentos por “inadaptação”", o que só pode significar que o PSD considera que a actual legislação laboral é inconstitucional, para depois defender nas questões seguintes que o mercado de trabalho é excessivamente rígido e que "o PSD defende que o mercado laboral seja, simultaneamente, seguro e flexível". Confuso ? Eu também.

PSD - Numa semana em que os sinais de alarme sobre a situação financeira portuguesa voltaram a soar de forma bem evidente e em que o líder do PSD até esteve bem nas questões económicas e relativas ao Orçamento do Estado para 2011, multiplicaram-se os sinais de polémica dentro do PSD relativamente ao projecto de revisão constitucional (ver aqui e aqui).

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

As declarações de Cavaco Silva

Esteve muito bem nas últimas declarações. Primeiro, demarcando-se muito claramente da proposta de revisão constitucional do PSD e em segundo lugar sobre o designado "semestre europeu" sobre o qual disse não passar de "nome pomposo" (Semestre Europeu) para dar uma "nova roupagem ao que já estava previsto nos tratados e nas resoluções do Conselho Europeu" e assim tentar disfarçar o rotundo falhanço das instituições europeias para evitar situações como as da Grécia.

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Segunda-feira, 6 de Setembro

Rentrée política - Apesar da retórica penso que (felizmente) existem condições para que seja possível um acordo que permita a passagem do OE para 2011 com a abstenção do PSD. Até porque quer PS quer PSD seriam fortemente penalizados caso surgissem perante o eleitorado como os "responsáveis" pela degradação da situação financeira que resultaria da não aprovação do Orçamento. Por isso é expectável  que estes partidos venham a desdramatizar a discussão orçamental e procurem antes marcar as diferenças entre si noutras matérias como sejam a revisão constitucional (em que o PS parece levar vantagem), as presidenciais (que tudo indica serem favoráveis ao PSD) e a evolução da execução orçamental e da conjuntura económica (áreas em que o Governo irá provavelmente sentir algumas dificuldades). Enquanto que as restantes oposições irão manter a estratégia de apontar as similitudes entre PS e PSD e afirmar-se como as únicas "verdadeiras" alterantivas.

Carlos Queiroz e Selecção - Os acontecimentos da última semana tornaram ainda mais insustentável a posição do actual seleccionador num contexto em que todos: seleccionador, responsáveis federativos e o Governo pela voz do Secretário de Estado do Desporto têm revelado uma infeliz tendência para atitudes e declarações pouco felizes. Independentemente da quota parte de responsabilidades de cada um o resultado da selecção nacional no jogo contra o Chipre (que mais pareceu de hóquei do que de futebol) e que esperemos não seja confirmado no jogo de amanhã confirma a necessidade de se encontrar rapidamente uma solução sob pena de se poder comprometer irremediavelmente a campanha para o Euro 2012.

Caso Casa Pia - Ao fim de 6 anos de julgamento foi (finalmente) conhecida a decisão do tribunal de primeira instância, que marca o fim da primeira etapa de uma longa maratona judicial que irá continuar nos próximos anos no Tribunal da Relação, no STJ e no TC. Não conheço o processo, e muito sinceramente não sei se foi ou não feita justiça, mas três coisas parecem-me evidentes. A duração (que prejudica vítimas, arguidos e a própria ideia de justiça) e monstruosidade (em termos de dimensão) do processo demonstra bem a necessidade de uma intervenção legislativa e na organização da nossa justiça, a qual deve obviamente ser cuidadosamente estudada e ponderada. O interesse público do processo é evidente, mas a forma como o processo tem sido seguido e "debatido" nos jornais e televisões suscita-me as maiores das dúvidas e parece-me que a existência de um autêntico processo paralelo na comunicação social apenas poderá contribuir para uma maior degradação da imagem da justiça, em que sendo verdade o que afirma o Daniel Oliveira neste interessante texto a investigação do ministério público parece (uma vez mais) ter ficado bastante aquém dos parametros mínimos que lhes seriam exigíveis.