sexta-feira, 3 de julho de 2009

Sobre modos de "fazer" política e a concessão Douro Litoral

Uma das coisas que sempre tive dificuldade em compreender nos debates parlamentares foi o hábito de acenar com "papeís" imputando declarações que os seus "adversários" terão proferido. Admito que constitua uma técnica eficaz e que nalguns casos se justifique mas, em geral, trata-se de uma forma de argumentação que empobrece o debate, pois além de muitas vezes o transformar num disse-que-disse-disse-que-não-disse desvalorizando os argumentos substantivos, não raras vezes as afirmações são completamente descontextualizadas distorcendo o seu sentido e como que recusam o direito de mudar de opinião. Claro que é possível questionar porque razão um político mudou de opinião e, obviamente, criticar as razões que eventualmente tenham justificado a alteração de posição, mas sempre me pareceu ridiculo criticar alguém só por ter mudado de opinião: além de alterações no contexto, todos (políticos inclusive) têm o direito de reflectir melhor sobre as questões e, naturalmente, de mudar de opinião, solução que me parece claramente preferível às de 1) teimosamente persistir em posições que intimamente reconhecemos erradas ou 2) recusar sequer reequacionar os argumentos. Mas o que se passou ontem na Assembleia da República quando o primeiro ministro invocou um despacho assinado por Ferreira Leite em 2004 tentando "co-responsabiliza-la" pela construção da polémica 3ª auto-estrada Lisboa-Porto ultrapassa quanto a mim os limites do debate político minimamente honesto constituindo um caso exemplar de mistificação faltando pura e simplesmente à verdade. Até pode ser que Ferreira Leite tivesse equacionado tal hipótese mas a verdade é que o despacho nada refere que possa permitir essa ilação e foi aliás o Secretário de Estado Paulo Campos quem por ocasião da adjudicação em 2007 considerou o seguinte: "Esta concessão tem por objectivo melhorar a mobilidade dos concelhos da Area Metropolitana do Porto, bem como nos concelhos de Oliveira de Azeméis e Paredes, descongestionando a circulação rodoviária em toda esta zona, já que será possível a deslocação entre as duas margens do rio Douro sem necessidade de atravessamento da cidade do Porto", concluindo adiante que "Com a concretização desta concessão completamos a rede de acessibilidades estruturantes na Área Metropolitana do Porto e na sua envolvente". Temos, pois, que, no mínimo, o primeiro-ministro não foi rigoroso com a verdade e que, pelo menos por uma vez, se justificava plenamente a intervenção do Paulo Rangel para tentar repor a verdade dos factos.

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