domingo, 14 de março de 2010

O descaramento da mentira

Alguns posts atrás escrevi aqui que a redução das deduções fiscais em IRS fazia parte do Programa de Governo. Escrevi-o na sequência da declaração do nosso Primeiro-Ministro de que "Compreendo que os outros partidos pensem de forma diferente, mas aquilo que propusemos no PEC está escrito no nosso Programa de Governo, sempre esteve anunciado nas nossas intenções ao longo de toda a campanha eleitoral e visa mais uma vez dar mais justiça ao nosso sistema fiscal" e porque sinceramente me lembrava de existir uma referência às deduções no IRS nos Programas eleitorais do PS e de Governo.

A verdade é que tudo isto não passa de uma enorme e absoluta "distorção" da verdade. O que efectivamente consta do Programa de Governo é "Reformar o IRS, mantendo a estabilidade da receita fiscal, tendo nomeadamente como objectivo redistribuir as deduções e benefícios fiscais, num modelo progressivo em favor das classes médias", o que é obviamente algo de completamente distinto pois não apenas é muito discutível que uma medida que vai aumentar a carga fiscal de cerca de 1,5 milhões de agregados familiares possa deixar de afectar negativamente a "classe média" como é absolutamente evidente que não está agora em causa qualquer forma de redistribuição da carga fiscal.

Não está em causa a medida em si. O primeiro-ministro poderia perfeitamente ter assumido que perante o cenário internacional actual se tratava de uma medida indispensável, mas não o fez, preferindo refugiar-se numa mentira que reafirmou repetidamente, mostrando bem que não se tratou de algum eventual e desculpável lapso, talvez confiando que uma mentira muitas vezes repetida possa ser tomada como uma verdade. E a verdade é que até eu, que me considero razoavelmente informado, me deixei, nesse primeiro momento, iludir pelas afimações do primeiro-ministro, o que bem revela o poder da mentira.

Embora tenha as minhas convicções pessoais, não sei se Sócrates mentiu ou não ao Parlamento sobre o caso PT / TVI, mas uma coisa é absolutamente insofismável: o primeiro-ministro mentiu deliberada e descaradamente a todos os portugueses quer na comunicação que fez ao país no dia 8 de Março de 2010 e nas declarações posteriores sobre o tema da limitação dos benefícios fiscais do IRS, dando razão a todos aqueles que o acusam de ser um mentiroso e um "aldrabão de feira".

Sobre as sondagens presidenciais

Ainda falta quase um ano (que em política é muito tempo) para as Presidenciais, mas a verdade é que Cavaco Silva lidera as sondagens com uma vantagem muitissimo confortável que lhe permite aspirar a uma vitória logo na primeira volta até porque o número de indecisos parece ser relativamente baixo (apenas cerca de 16%).

Confesso que, apesar de tudo, estou algo surpreendido com a percentagem de intenções de voto em Fernando Nobre que à partida me parecia uma candidatura destinada ao fracasso. Os 8% que lhe são atribuidos pela sondagem do CESOP são apesar de tudo um resultado muito razoável para uma candidatura independente e indicam que Manuel Alegre além de não conseguir convencer o eleitorado do centro está a sentir bastantes dificuldades em confederar o eleitorado de esquerda. Culpas próprias e do Bloco de Esquerda que se apressou demasiado a "apropriar-se" do candidato, mas também da indefinição de Sócrates e do PS cujo apoio surge assim como provavelmente determinante para definir qual será o candidato em melhores condições para conquistar o segundo lugar que permitiria sonhar com uma eventual segunda volta que tudo indica que não irá suceder.

Até porque Cavaco Silva não sendo um político galvanizador sabe gerir muito bem os seus tempos e intervenções públicas, como aliás tem revelado de forma absolutamente magistral como soube aproveitar o 4.º aniversário da sua Presidência para consolidar a sua posição politica.

sexta-feira, 12 de março de 2010

Sondagem do CESOP

A sondagem do CESOP para a RTP, Antena 1 e Diário de Notícias (ver também aqui) vem confirmar que se as eleições fossem hoje os resultados eleitorais não seriam substancialmente diferentes e que a imagem do Governo e de José Sócrates sofreu um desgaste bastante substancial, não só, nem sobretudo, pelo caso escutas / Face Oculta, que para grande parte do eleitorado são "politiquices" que só confirmam que, como já "todos sabiam", os políticos e jornalistas são todos iguais, mas principalmente pela percepção de um défice de governação e pela ausência de "soluções" para "os problemas do país" (64% considera o desempenho do Governo "mau" ou "muito mau").

A conciliação de i) e ii) reside no facto de a larga maioria (55%) dos portugueses não pensarem que outro partido fizesse melhor (apenas 28% pensa o contrário), mas daqui também resulta que o PS / Governo está "a prazo" até aparecer uma alternativa que consiga convencer os portugueses de que valerá a pena arriscar a mudança. Neste sentido diria que para o PSD obter mais de 30% das intenções de voto no actual contexto de disputa de liderança (e em que a sua líder ocupa- injustamente - destacada a última posição na apreciação dos eleitores) significa que o próximo líder dispõe, apesar de tudo, de uma boa base para construir essa alternativa.

Quem vai beneficiando com tudo isto é o Presidente da República e Paulo Portas que sobem significativamente na apreciação dos eleitores.

quinta-feira, 11 de março de 2010

Dois posts interessantes

no Margens de Erro. Um primeiro sobre "a percepção mediana da posição dos partidos por parte do eleitorado em geral" e o segundo sobre as diferenças nas percentagens de votos dos principais partidos consoante a idade dos eleitores.

No primeiro caso achei particularmente interessante o deslocamento para a direita das percepções das posições dos partidos. Neste caso, parece-me que boa parte das diferenças desde 2005 até agora derivam de opções estratégicas dos partidos (a excepção será o PSD relativamente ao qual a questão talvez seja a de saber se neste período teve alguma estratégia), que resultaram relativamente bem para o PS (e também para o BE e CDS-PP) mas que podem colocar o PS numa posição estratégica dificil caso o PSD sob uma nova liderança consiga retornar ao seu posicionamento relativo inicial.

Quanto ao segundo post, julgo que confirma basicamente a percepção da maior penetração do BE no eleitorado jovem, o sucesso da estratégia do CDS-PP em rejuvenescer a sua base eleitoral e também a tendência para ao longo da vida o sentido de voto tender para os partidos mais "moderados".

terça-feira, 9 de março de 2010

O significado das palavras

Independentemente da bondade e/ou inevitabilidade das medidas, ou até de estar ou não no programa do Governo (está !), a verdade é que soa, pelo menos, um pouco estranho que "se passe a pagar mais impostos", mas que isso não seja "um aumento de impostos", como também me custa a compreender a diferença entre "adiar" e "suspender". Fez-me recordar a passagem de Alice no País das Maravilhas em que Humpty Dumpty diz:

"- Quando eu uso uma palavra ela significa exatamente aquilo que eu quero que signifique ... nem mais nem menos."

e Alice responde :

"- A questão é saber se o senhor pode fazer as palavras dizerem coisas diferentes."

domingo, 7 de março de 2010

Contaminação da Justiça

Estou, sinceramente, convencido que o Secretário de Estado da Justiça terá pensado que contribuia para a acalmia quando, em reacção às declarações (como sempre) inflamadas de Marinho Pinto de que "O poder judicial está, neste momento, empenhado em derrubar o primeiro-ministro" porque ele "bem ou mal, tocou em alguns privilégios da corporação", veio dizer que tal "Em termos gerais, não corresponde à verdade. Não quer dizer que, pontualmente, não surja um ou outro caso claramente contaminado”. A intenção era obviamente, como veio depois afirmar, contrariar aquelas afirmações.

A forma desastrada como o fez, e sobretudo a afirmação, com clara ausência de sentido de Estado, de que na sua experiência como advogado teve suspeições de existência dessa contaminação, tiveram contudo o efeito precisamente contrário. Pois vieram confirmar, ainda que em parte, as afirmações de Marinho Pinto, criando mais dúvidas do que as que procurou desfazer o que como referiu o Procurador-Geral da República apenas contribuiu para "Criar mais dúvidas num país do disse que disse, não é saudável para o Estado de Direito Democrático".

Em condições normais, o Secretário de Estado da Justiça teria de concretizar os indícios ou retirar aquela afirmação. Na situação, cada vez mais insuportável, de um país assoberbado de casos, suspeitas, comissões de inquérito, etc no meio de uma crise financeira e económica grave, provavelmente tudo isto cairá muito rapidamente no esquecimento mediático.

sexta-feira, 5 de março de 2010

Sondagem do Público

No dia em que celebra 20 anos de existência, o Público publicou uma sondagem que merece ser analisada com atenção.

De acordo com a sondagem, uma larga maioria (59,8% contra 40,2%) revela acreditar que o primeiro-ministro mentiu quando disse que não sabia da intenção da PT comprar a TVI. Mas, talvez, o dado mais interessante da sondagem seja a indicação de 46% dos inquiridos considera que o primeiro-ministro não tem condições para continuar a governar. Embora a percentagem dos que pensam o contrário seja superior, este número parece confirmar a ideia de uma grande polarização de opiniões em torno da figura do actual primeiro-ministro e  significa que os danos na sua credibilidade (a não serem invertidos) tornarão extremamente difícil ao PS vir a obter uma nova maioria absoluta sob a actual liderança.

Estes danos na credibilidade do Eng. José Sócrates não impedem, contudo, que o PS continue claramente na frente nas intenções de voto com 40,3%, o que revela que apesar de tudo é neste partido que a maioria (relativa) dos portugueses continua a confiar mais para governar o país. O que sendo um bom resultado em termos absolutos deve ser relativizado face à conjuntura financeira e à situação interna indefinida do partido da oposição e revela que o PS / Governo tem de apostar tudo na imagem da sua governação para contrariar a tese de que os sucessivos casos tem condicionado a sua capacidade de actuação governativa,  sob pena de cometer um suicídio político.

Quanto ao PSD (34,3%) é de salientar referir a sua aparente recuperação apesar de todos os condicionalismos. Este número que conjugado com o significativo número de inquiridos que declara que não votaria em nenhum partido (12,6%) ou que não sabe / não responde (16,8%), significa que muito irá depender do pós-eleição da liderança do PSD. Será importante para o PSD que dê garantias de estabilidade interna e que, além disso, seja capaz de aproveitar o élan pós-eleição do futuro líder para  se afirmar como alternativa de governação através não só da construção de um programa alternativo como também da emergência de “caras” que revelem capacidade para concretizar esse programa.
(PS: Voltarei a esta sondagem para analisar os dados relativamente às presidenciais e às eleições internas do PSD)

Sobre a Greve da função pública

Embora já seja habitual causam-me sempre enorme perplexidade as gigantescas discrepâncias entre os números de adesão à greve avançados pelo Governo e pelos sindicatos (é pena que não existam números independentes), em que a única certeza que fica é que a verdade da adesão terá ficado algures entre os fracos 13% referidos pelo Governo e os cerca de 80% apontados pelos sindicatos.


Nestas alturas é sempre aflorada a questão de saber se existem, ou não, justificações para a greve e referidos (como ontem ouvi ao final do dia a um comentador na Antena 1) as eventuais motivações políticas da greve.

Obviamente que é sempre muito difícil saber as razões que levaram cada um dos grevistas a aderir, mas não me parece correcta essa análise. A verdade é que, independentemente de podermos considerar que apesar de tudo estão, ou não, numa condição mais favorável do que os trabalhadores do sector privado, os funcionários públicos têm obviamente razões de descontentamento face à degradação das suas condições profissionais, não apenas em virtude do congelamento dos salários anunciados para o corrente ano como também em virtude das alterações em termos de reforma e de progressão na carreira que objectivamente tem vindo a ser alteradas de forma desfavorável aos funcionários.

Questão diferente é a de saber se, no actual contexto orçamental, o Governo tem ou não margem de manobra para ir de encontro às reivindicações, nomeadamente de carácter salarial, apresentadas pelos sindicatos ? Creio não só que a resposta é não como estou convicto de que os sindicatos estão conscientes desse facto. Tal não impede que do seu ponto de vista a greve faça sentido. Efectivamente, face à provável necessidade de um esforço suplementar para reduzir o défice, senão em 2010 pelo menos nos anos seguintes, a actuais posições reivindicativas visam claramente reforçar a posição negocial dos funcionários na repartição dos sacrifícios que o país irá ser chamado a efectuar.

quinta-feira, 4 de março de 2010

Telefonemas

Segundo o Público depois das declarações de ontem de Manuela Moura Guedes no Parlamento de que "Não são só as redacções dos jornais que recebem telefonemas, também os investigadores do caso Freeport foram [pressionados]. A inspectora Alice [Fernandes], de Setúbal, recebe telefonemas de assessores do primeiro-ministro" e que esta seria permeável a essas pressões, a visada terá anunciado que vai avançar com uma queixa-crime, presumo que por difamação. Pessoalmente fiquei no entanto com a curiosidade de saber se 1) os referidos telefonemas não existiram ou se 2) existiram, mas elas não cedeu às pressões.

Talvez fosse importante esclarecer até porque não é a primeira vez que se fala pressões sobre pessoas relacionadas com a investigação no caso Freeport.