sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

As revoluções no Norte de África e Médio Oriente


Num dia em que a ameaça de guerra civil na Líbia se confirmou e surgiram notícias que indicam que o número de mortos poderá já ascender aos milhares e continuaram as manifestações de protesto no Iemen e no Bahrein, a grande novidade parece ser o alargamento das manifestações ao Iraque.

Recomendo a leitura de um excelente artigo de Anne Applebaum (a autora de Gulag: Uma História), publicado no Washington Times e citado por José Manuel Fernandes na sua crónica de hoje no Público, onde traça um paralelismo entre o que está a ocorrer nesta região do mundo e os acontecimentos na Europa em 1848, do qual ressalto sobretudo a chamada de atenção para as diferenças na situação dos diferentes países.

O paralelismo com 1848 em que uma onda revoluciónária iniciada em França em Fevereiro rapidamente se espalhou por toda a Europa Central e Itália durante a Primavera e o Verão de 1848 em cujo despoletar a luta pelos princípios democráticos e o desemprego tiveram um papel importante é efectivamente atraente.

Mas tem os seus limites. Um dos elementos mais importantes dessa onda revolucionária, em especial na Europa Central foi a questão das nacionalidades que, pelo menos até agora, parece estar ausente nos acontecimentos que têm assolado o mundo árabe. Não sendo no entanto de exlcuir que possam estar ou venham a desempenhar um papel importante na Líbia, no Iemen e no Bahrein ou que, um pouco à semelhança do que sucedeu na Alemanha em 1848, se venha a verificar um ressurgimento do pan-arabismo. Mas, principalmente, como sucede normalmente nos processos revolucionários estes tendem a assumir uma dinâmica própria que torna por natureza impossível prever quando e como vão acabar e, sobretudo, onde poderão conduzir.

Mais do que optar entre uma visão pessimista ou optimista do futuro destes países, a questão que deveria ocupar o Ocidente era saber como contribuir para a democratização e normalização desta importante zona do globo seja uma realidade. Evitando o fatalismo dos que acreditam num destino histórico pré-determinado e ajudando os povos daqueles países a construir o seu próprio futuro.

A reacção do Governo português à situação na Líbia


Numa altura em que a única alternativa à queda do regime do coronel Kadhafi parece ser uma guerra civil e  se receia que a Líbia caia num período de caos, vale a pena reflectir um pouco sobre aquelas que têm sido as reacções dos nossos ministros nos últimos dias sobre a sítuação na Líbia.

"É um regime anacrónico, muito específico nas suas dimensões internas e que deve por isso mesmo ser objeto de uma adaptação inadiável", respondeu o ministro [dos negócios estrangeiros] português a uma pergunta sobre se Muammar Kadhafi deve abandonar o poder.

Entretanto, noutra notícia dá-se conta:

O ministro das Obras Públicas, António Mendonça, fez hoje votos para uma "evolução positiva e rápida" da crise revolucionária vivida na Líbia e, segundo citação da agência Lusa, manifestou a sua preocupação com o processo em curso no conjunto do Norte de África.

e que o ministro da Economia, Vieira da Silva, considerou prematuro repensar as relações económicas com a Líbia: "Neste momento a situação que nós vivemos é uma situação de incerteza, vamos esperar que a situação acalme, nós sabemos que é sempre imprevisível e veremos depois qual será o desenvolvimento da situação".

Convirá recordar que o regime que os nossos ministros gostariam que se adaptasse e evoluisse de forma positiva e que ainda em 2009 contou com a presença do ministro Luis Amado nas comemorações dos 40 anos da chegada ao poder de Kadhafi num programa de visita que inclui a projecção de um "filme sobre a História Líbia desde há 5 mil anos até à chegada da Revolução e seus benefícios durante os últimos 40 anos"  (meu sublinhado) é o mesmo que o mesmo que além de reprimir o seu próprio povo esteve implicado em vários actos terroristas como, para apenas citar alguns, os cometidos pelo grupo Setembro Negro de que era um dos principais financiadores, o ataque bombista a uma discoteca em Berlim ou o atentado de Lockerbie e que, ainda em 2009, defendeu os piratas somalis.

Tratava-se pois de um regime cuja crueldade e imprevisibilidade eram mais do que manifestas e, embora não se soubesse quando, teria um dia que acabar mal... E isto não foi realpolitik, mas cegueira pura face aos evidentes riscos de uma associação ao regime líbio. E nem sequer é correcto argumentar que a Espanha, a França e, em especial, a Itália adoptaram políticas semelhantes face ao regime líbio. Pois no caso destes países, e em particular a Itália, havia um claro quid pro quo com aquele país relacionado com a segurança da sua fronteira marítima e a contenção dos fluxos migratórios oriundos de África que no caso de Portugal são obviamente muito menos importantes.

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

A situação no Norte de África e Médio Oriente


Avolumam os sinais de que as forças leais a Khadafi não controlam grande parte do país e tenta a todo o custo resistir à revolta na zona ocidental do país e se somam as condenações, apesar de tudo fracas, da comunidade internacional contra a actuação das forças leais ao presidente líbio que está a resultar em centenas de mortos e numa situação que parece cada vez mais caótica e que já está a ter efeitos significativos sobre os preços do petróleo.

Embora o que tenho lido indique que mesmo num caso extremo em que a produção petrolífera da líbia cesse completamente outros produtores, nomeadamente a Arábia Saudita, disporão de capacidade de produção excedentária suficiente para compensar a redução de oferta, no caso de outro grande país produtor de petróleo ser contagiado pelo autêntico tsunami revolucionário que tem vindo a percorrer o norte de áfrica os efeitos sobre a oferta, e consequentemente o preço, de petróleo poderão ser dramáticos. Daí que seja extremamente importante aquilo que se venha a passar na Argélia e na própria Arábia Saudita.

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

A Líbia de Kadhafi e as declarações de Luis Amado


Há 42 anos no poder, durante os quais enfrentou e sobreviveu a várias crises, o presidente líbio parece ter perdido o controlo sobre uma parte importante do país, tendo contra si não apenas a maior parte do povo líbio mas também várias figuras significativas do seu regime, entre as quais o seu Ministro do Interior que se terá demitido e apelado às forças de segurança que se juntassem ao povo e os representantes líbios na Liga Árabe e na ONU, bem como vários embaixadores (EUA, França e outros países).

A informação fragmentada que vai surgindo da Líbia revela um cenário dramático, com centenas de mortos, e quase surrreal de um país à beira de uma guerra civil com um presidente desligado da realidade e condenado pela comunidade internacional mas que parece disposto a sufocar a revolta das ruas num banho de sangue. Risco que não deve ser menosprezado até porque as forças armadas líbias não tem o grau de coesão, profissionalismo e disciplina que as egípicias revelaram e a Líbia será muito menos permeável às influências moderadoras do exterior, nomeadamente dos EUA e dos países europeus.

Neste cenário, julgo que seria de esperar do Ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal muito mais do que a mera negação de apoio ao regime. Seria de exigir, pelo menos, uma declaração clara de condenação do uso da força contra civis e um apelo a reformas demcráticas. Vir agora desculpar-se dizendo que o Governo “não fez nem mais nem menos que o que todos os Estados europeus, americanos e todos os que tentam internacionalizar as suas empresas fizeram” é, infelizmente, um retrato certeiro mas lamentável do que tem sido a política externa portuguesa nos últimos anos.

domingo, 20 de fevereiro de 2011

Black Swan - Cisne Negro


Fui (finalmente) ver o filme de que mais se fala e não saí da sala desiludido, muito pelo contrário. Pelos comentários que tinha lido sobre o filme estava à espera de um filme sobre os riscos da busca da perfeição e o sempre eterno conflito entre o nosso "lado bom" e o nosso "lado mau" e auto-destrutivo. O filme que eu vi pareceu-me ter muito pouco a ver com isso.

Não que uma visão pessimista das "consequências" de uma vida inteiramente dedicada à carreira e ao sucesso profissional não esteja presente no filme. Está-o claramente na história de Beth (Winona Ryder), a prima ballerina, em final de carreira, afastada. Simplesmente, pelo menos para mim, a principal mensagem do filme é outra.

Cisne Negro é um drama psicológico intenso e impecavelmente  realizado por Darren Aronofsky, que se baseia numa grande obra de arte, o Lago dos Cisnes de Tchaikovsky, que é reproduzida na vida real dos seus intérpretes. Mas que ultrapassa claramente esta dimensão da "vida que imita a arte". Desde logo porque o Lago dos Cisnes tem diversas versões com finais alternativos e o do filme nem sequer é o mais tradicional e, depois, porque o filme confere a Nina (personagem assombrosamente desempenhada por Natalie Portman, a justificar claramente um óscar !) uma densidade e complexidade psicológicas que excedem, em muito, a da personagem original e que permitem que o filme tenha várias leituras.

O mais marcante nas cenas iniciais do filme é a profunda tristeza de Nina, que dedica a sua vida inteiramente ao bailado. Uma tristeza que contudo não resulta, ou pelo menos não resulta apenas, das exigências da profissão ou da dificuldade para "suportar a pressão". Mesmo quando recebe a notícia de que tinha sido escolhida como protagonista principal do bailado Nina não fica feliz. E é nessa tristeza (ou melhor nas suas razões) que julgo que está a chave do filme.

Embora o filme não nos explique o surgimento do interesse pelo bailado,  indica-nos claramente que o facto de a mãe (Barbara Hershey) ter sido uma bailarina, embora com pouco sucesso, que abandonou a carreira quando foi mãe terá sido importante na selecção de carreira de Nina. Não temos, no entanto, aqui o protótipo do progenitor que busca o sucesso que não pode obter através da filha. Pelo contrário, em vários momentos do filme e sobretudo na parte final é clara a preocupação da mãe com o estado de saúde mental da filha e é Nina que ao longo do filme revela o desejo de superar uma mãe que a controla demasiado.

Aquela tristeza resulta do profundo isolamento de Nina, simbolicamente revelado nas cenas em que está no metro, para o qual a atittude da mãe contribui, mas não explica totalmente como o filme nos revela através do seu relacionamento com as colegas caracterizado pela hipocrisia e por uma competitividade obsessiva. As emoções estão totalmente ausentes da vida de Nina que se dedica inteiramente ao ballet como se não existisse mais nada no mundo, numa relação neurótica com a sua profissão que progressivamente conduz ao esbatimento das diferenças entre a realidade e a ilusão, entre a frieza do real e os medos e paixões do mundo imaginário no qual a sua mente se vai refugiando e enredando, numa luta interior que vai ser agravada com efeitos trágicos pela interferência da rival Lily (Mila Kunis).

Esta ausência de emoções acaba por colidir com a própria busca de Nina pela perfeição. Como lhe ensina Thomas (o coreógrafo representado por Vincent Cassel e que contrariamente ao que tinha ouvido me pareceu uma personagem dúbia e amoral, mas não um "monstro") a perfeição exige não só treino e técnica, mas também alma e emoção. É sobretudo através das emoções que podemos atingir os outros. E não só o sucesso pessoal depende das emoções, como muitas vezes o próprio triunfo profissional (e não apenas nas artes), depende de uma capacidade de nos transcendermos que apenas conseguimos encontrar através das emoções.

E é a libertação das emoções e da paixão que lhe permite não só alcançar a interpretação perfeita que ambicionava como superar, infelizmente demasiado tarde, a confusão entre a realidade e o sonho. É apenas nesse momento, mesmo no final, que os olhos e o rosto de Nina se iluminam, dizendo-nos que para sermos felizes não temos que almejar ser perfeitos... temos que procurar ser humanos. E que só sendo humanos conseguiremos estar mais perto da perfeição.

sábado, 19 de fevereiro de 2011

Concerto de Ano Novo - Elina Garanca e Gustavo Dudamel





Elina Garanca é uma das, senão mesmo a, melhores vozes da actualidade como o demonstra neste  Concerto de Ano Novo da Orquestra Filarmórnica de Berlim dirigida pelo exuberante Dudamel, e principalmente numa interpretação de Habanera que é simplesmente mágica (ver aqui).

L'amour est un oiseau rebelle
que nul ne peut apprivoiser,
et c'est bien en vain qu'on l'appelle,
s'il lui convient de refuser.


Rien n'y fait, menace ou prière,
l'un parle bien, l'autre se tait:
Et c'est l'autre que je préfère,
Il n'a rien dit mais il me plaît.
(...)
 
L'oiseau que tu croyais surprendre
battit de l'aile et s'envola ...
l'amour est loin, tu peux l'attendre;

tu ne l'attends plus, il est là!


Tout autour de toi, vite, vite,
il vient, s'en va, puis il revient ...
tu crois le tenir, il t'évite,
tu crois l'éviter, il te tient.
(...)

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Ainda sobre o Ministro da Administração Interna



Muito sinceramente não tenho nada de pessoal contra o Ministro da Administração Interna e até me sinto um pouco incomodado por lhe estar a dedicar tantos posts, mas a verdade é que estive dois dias fora do país e a primeira notícia que ouvi quando regressei a Lisboa foi a de que o antigo secretário-geral da Segurança Interna tinha dado uma entrevista a revelar que "quase não tinha poderes efectivos" e que sentia-se "desarmado e desinformado" e "diz que não sai desiludido, mas critica o ministro da Administração Interna, Rui Pereira, porque não o ouviu como devia" acrescentando que "não sentiu muita colaboração por parte do ministro".

Fiquei também a saber que "Por proposta do Ministro da Administração Interna, Rui Pereira, o Conselho de Ministros aprovou hoje uma proposta de Lei, que será submetida à Assembleia da República, que altera a Lei do Recenseamento Eleitoral, promovendo a extinção do número de eleitor e a sua substituição pelo número de identificação civil". Se for a solução certa mais vale tarde do que nunca, mas confesso que fiquei preocupado com o parágrafo onde se refere que "A complexidade da reorganização administrativa que esta alteração acarreta recomenda um suficiente período de adaptação, pelo que se propõe que estas mudanças só produzam efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2013".

Mas o mais interessante é o último parágrafo onde se refere que "o diploma prevê a adopção imediata de um conjunto de medidas adicionais destinadas a facilitar o conhecimento pelos eleitores das condições de exercício do direito de voto, nomeadamente a notificação obrigatória aos novos eleitores e aos que vêem alterada a sua situação eleitoral" estabelece "a obrigação legal de as comissões recenseadoras disporem das listagens alfabéticas dos respectivos eleitores para utilização nos actos eleitorais como elemento supletivo de informação". Medidas de carácter puramente administrativo e que, como é óbvio, podiam e deviam já ter sido implementadas e que na prática equivalem a uma confissão de incompetência.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

A abstenção do PSD

Como tinha ficado evidente, Pedro Passos Coelho anunciou hoje a abstenção do PSD na votação da moção de censura que o BE prometeu apresentar, adiantando que apenas contribuirá para o derrube do Governo “Se algum dia chegarmos à evidência que o Governo não cumpre aquilo a que se comprometeu" ou "que há uma situação financeira de ruptura em Portugal" (leia-se o recurso à ajuda externa).

Depois do comunicado de ontem do CDS-PP indicando que também este partido se iria abster, não deixa de ser curioso que o PCP seja o único partido que ainda não anunciou o seu sentido de voto.

A liberdade e os árabes


É o título de um artigo de Mario Vargas Llosa no El País que recomendo e cuja conclusão não resisto a reproduzir aqui:

La libertad no es un valor que sólo los países cultos y evolucionados aprecian en todo lo que significa. Masas desinformadas, discriminadas y explotadas pueden también, por caminos tortuosos a menudo, descubrir que la libertad no es un ente retórico desprovisto de sustancia, sino una llave maestra muy concreta para salir del horror, un instrumento para construir una sociedad donde hombres y mujeres puedan vivir sin miedo, dentro de la legalidad y con oportunidades de progreso. Ha ocurrido en el Asia, en América Latina, en los países que vivieron sometidos a la férula de la Unión Soviética. Y ahora -por fin- está empezando a ocurrir también en los países árabes con una fuerza y heroísmo extraordinarios. Nuestra obligación es mostrarles nuestra solidaridad activa, porque la transformación de Oriente Próximo en una tierra de libertad no sólo beneficiará a millones de árabes sino al mundo entero en general (incluido, por supuesto, Israel, aunque el Gobierno extremista de Netanyahu sea incapaz de entenderlo).

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

O (ainda) Ministro da Administração Interna


Definitivamente as últimas semanas não têm  corrido muito bem ao Ministro da Administração Interna, pois como se já não bastasse a manifesta incompetência revelada na organização do acto eleitoral do passado dia 23 de Janeiro, ficámos hoje a saber que "O novo sistema de vigilância da costa portuguesa só deverá estar pronto em Agosto. Mas o antigo sistema de radares já foi desligado em Novembro, deixando o litoral a ser vigiado por binóculos e patrulhamentos da GNR" .

De acordo com notícia do Público, como é seu apanágio o MAI foi rápido a alijar quaisquer responsabilidades na matéria tendo remetido para a GNR as explicações sobre esta questão.

domingo, 13 de fevereiro de 2011

A posição insustentável do Ministro da Administração Interna



Não pude ler o relatório, mas segundo o Público o mesmo aponta para que "não houve uma razão única para explicar a situação ocorrida no dia 23 de Janeiro”, distribuindo as culpas entre: i) a não notificação dos eleitores, ii) os problemas com a infra-estrutura tecnológica e iii) o "excesso" de impaciência dos eleitores que provocou uma sobrecarga de acessos ao Portal do Eleitor (entre as 13h20 e as 14h30 teve um esforço de processamento de 99 por cento) e ao SMS 3838, indicando-se que cada eleitor fez uma média de 1,5 pedidos e cada telemóvel uma média de 2,8 pedidos.
 
Sinceramente a minha primeira perplexidade é para que foram necessárias 2 semanas para chegar a conclusões que era auto-evidentes na noite do dia 23 de Janeiro quando até a Secretária de Estado Dalila Araujo já sabia que não tinha havido a notificação e era óbvio que as pessos tinham tentado obter a informação pretendida para exercer um direito cívico fundamental e a infra-estrutura tecnológica não tinha sido capaz de dar a resposta adequada. Ou seja, a confirmar-se o respectivo conteúdo, o relatório não veio acrescentar rigorosamente nada ao que já se sabia.

Perante este cenário, o Ministro e a Secretária de Estado optaram por eximir-se de qualquer respoinsabilidade política e atribuir as culpas exclusivamente ao antigo diretor-geral da Administração Interna, Paulo Machado, que teria decidido de forma unilateral não cumprir um despacho da Secretária de Estado determinando que fossem enviadas as notificações aos eleitores. Independentemente do desmentido do ex-director, fica por esclarecer como é possível que os titulares políticos em causa se demitiram de acompanhar o cumprimento da decisão política de proceder à referida notificação, vindo agora afirmar que só no próprio dia 23 (!!!) tiveram conhecimento de que não foi dado cumprimento a um despacho de 12 de Agosto.

Acresce ainda que pelo que foi publicado no relatório se refere que as razões para o não envio das referiudas notifdicações foi terão sido as "dúvidas sobre a «eficácia» de tal notificação e medo que os avisos provocassem um elevado número de reclamações", o que indicia claramente que se tratou de uma decisão política e que mesmo que as notificações tivessem sido enviadas era expectável que tivessem ocorrido problemas, embora em menor escala. Sem que ao que se saiba os responsáveis políticos tenham tomado ou promovido quaisquer medidas adicionais tendentes a solucionar o problema.

Vir agora dizer que o problema é a própria existência do número de eleitor, dando a entender que - ponto sobre o qual tenho muitas dúvidas - a abolição desse número resolveria a situação só serve para desviar as atenções. Não me custa admitir que deva existir uma alteração do sistema, mas não é isso que está em causa. O que está agora em causa é a incapacidade revelada pelo Ministério da Administração Interna para garantir que o acto eleitoral do passado dia 23 de Janeiro decorreria com normalidade. Se para isso fosse necessário rever o processo eleitoral, era responsabilidade política do Ministro e do Governo alertar para a situação e promover as mudanças que se impusessem.

Vir agora, 15 dias depois do acto eleitoral sugerir que "as comissões recenseadoras (nas juntas de freguesia) [deveriam] se munirem, nos dias de eleições, de listagens impressas dos respectivas eleitores" apenas revela um grau de profunda incompetência de um Ministério que foi completamente incapaz de tomar quaisquer medidas que poderiam, pelo menos, ter minorado a gravidade do que ocorreu.

Só uma completa falta de sentido de estado justifica que o Ministro em causa classifique os pedidos para que se demita como "conversa oca", argumentando com a enigmática afirmação de que "Defendo a ética da responsabilidade, nunca defenderei a responsabilidade sem ética" cujo sentido aplicado ao caso concreto, muito sinceramente, não descortino.

Recorde-se que estamos a falar do mesmo ministro que aquando do rocambolesco "caso" da aquisição dos blindados "imprescindíveis" para a cimeira da NATO remeteu quaisquer explicações para a PSP.

Num país "normal" qualquer um destes "casos" constituiria só por si razão mais do que suficiente para a demissão do Ministro da Administração Interna. Infelizmente, Portugal parece cada vez menos ser um país normal.

My Blueberry Nights



É um filme de Kar Wai Wong de 2007 que apenas vi ontem à noite na RTP2. Esteticamente adorei o filme,  bastam a forma como o realizador lida com a luz, principalmente nas imagens do Metro de Nova Iorque, e a banda sonora para justificar que se veja o filme. E apesar do argumento ser pouco convincente, os diálogos são em geral bem construídos e transmitem ao filme uma dimensão quase poética .

O filme começa com Elizabeth (Norah Jones) a saber por Jeremy (Jude Law), dono de um café-restaurante em Nova Iorque, que o seu companheiro que mora naquela zona jantou com outra mulher, telefona-lhe e rompem a relação. Ela deixa as chaves no café para o companheiro as ir buscar e acaba por voltar todas as noites e fala com Jeremy (provavelmente o dono de café mais simpático do mundo que guarda diversas chaves de situações semelhantes num jarro), até que decide afastar-se de Nova Iorque e parte numa viagem de auto-descoberta, sem dizer adeus:

How do you say goodbye to someone you can't imagine living without?
I didn't say goodbye. I didn't say anything. I just walked away.
At the end of that night I decided to take the longest way to cross the street.
Trabalhando primeiro simultaneamente num bar e num restaurante e depois num casino, Elizabeth cruza-se primeiro com Arnie e Sue Lynne (Rachel Weisz - fantástica como sempre) e depois com Leslie (Natalie Portman). É esta a parte mais interessante do filme pois é a partir das histórias dos relacionamentos de Arnie com Sue Lynne e Leslie com o seu pai (que nunca chegamos a ver) que o autor aborda a complexidade dos relacionamentos humanos e a importância dos outros para nos definirmos a nós próprios,
Sometimes we depend on other people as a mirror
To define us and tell us who we are
 e que Elizabeth descobre o seu próprio caminho
It took me nearly a year to get here. It wasn't so hard to cross that street after all, it all depends on who's waiting for you on the other side.

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Revolução no Egipto (VI)


Ao 18.º dia de protestos, Mubarak renunciou à presidência do Egipto entregando o poder ao Conselho Superior das Forças Armadas, que já prometeram ser o garante de eleições justas e livres.

Hoje é um dia histórico para os egípcios, que festejam nas ruas a queda do regime. E é impossível ficar indiferente e não partilhar aquela alegria contagiante que quase nos faz esquecer que o caminho não será fácil e torna impossível não desejar que os sonhos e aspirações daquelas multidões se concretizem !

A moção de censura do BE (II)

Concordo basicamente em tudo com a análise que o Prof. Luis Menezes Leitão faz neste post. Parece-me, de facto, a principal intenção do BE é distanciar-se do PS e afirmar-se como alternativa de esquerda contra o que considera ser o Bloco Central composto pelo PS e o PSD. E por isso tem razão quando afirma que a moção de censura não é apenas dirigida ao Governo, mas também contra o apoio que lhe tem sido dado pelo PSD. Julgo, no entanto, que de um ponto de vista estratégico tal até se poderá revelar como positivo para o PSD, na medida em que na actual conjuntura será muito dificil ao PS recuperar no centro os votos que se arrisca a perder à esquerda, pelo que é provável que o resultado seja uma maior fragmentação da esquerda, fragilizando o PS.

Como já disse ontem parece-me que seria um erro o PSD apoiar esta moção de censura e que o deve afirmar o mais rapidamente possível.Não me parece contudo que a reacção de ontem tenha sido errada, pelo contrário.

Uma recusa demasiado apressada da moção de censura, que recorde-se foi anunciada para daqui a um mês, poderia criar a ideia de uma identificação excessiva do PSD com  as políticas do actual Governo. Para evitar esse risco, o PSD tem de ser capaz de demonstrar que a decisão que tomar resulta da ponderação que faz do interesse nacional, identificando e justificando os fundamentos dessa sua posição.

PS: E obviamente que o Pedro Pestana Barros tem toda a razão em chamar a atenção para que não é por acaso que a "Constituição dispõe que apresentada uma moção de censura a mesma deve ser debatida e votada no prazo de 3 dias" e que o anúncio feito ontem pelo Francisco Louçã é uma tremenda irresponsabilidade.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

A moção de censura do BE


O anúncio por Francisco Louçã de que o BE irá apresentar uma moção de censura ao Governo no dia 9 de Março foi deveras surpreendente. Apenas posso tentar supor o que estará por detrás desta iniciativa. Vejo duas hipóteses: i) o BE pensa que o PSD se irá abster e procura com isto associar PS e PSD e conquistar espaço à esquerda afirmando-se nomeadamente perante o PCP como a "verdadeira alternativa de esquerda", ou ii) julga que o PSD irá aproveitar para fazer cair o Governo e a iniciativa servirá sobretudo para acelerar o tempo político, fazendo com que PSD-PP cheguem mais cedo ao poder e sofram o consequente desagaste que permitiria, uma vez substituído Sócrates, criar a prazo condições para uma frente de esquerda (PS-BE) numas próximas eleições legislativas.

A circunstância invulgar de se tratar de um pré-anúncio com um mês de antecedência parece apontar fortemente para a primeira hipótese. Pois, como o PS fez questão de notar a última coisa que o país precisava actualmente era de um mês de indefinição política até à apresentação da moção de censura a que se seguiriam alguns meses em governo de gestão, com as limitações daí decorrentes, que o PS não deixaria certamente de aproveitar para se desculpabilizar relativamente à deterioração da situação económica, financeira e social atribuindo-a à crise internacional e à crise política.

Estrategicamente, o PS sai claramente a ganhar com esta iniciativa. Ou a moção de censura é reprovada e o Governo ganha um balão de oxigénio que, salvo imponderável, lhe permitirá governar com relativa tranquilidade política até à apresentação e discussão do OE para 2012. Ou é aprovada e ganha um mês extra e argumentos reforçados para se eximir de responsabilidades pela deterioração da situação económica e financeira.

E claramente a "batata quente" está nas mãos do PSD que correctamente evitou tomar posições de forma precipitada. Se por um lado, a tentação para derrubar o Governo deve ser certamente grande, por outro lado, julgo que a actual liderança do PSD tem plena consciência (se não o tivesse os acontecimentos de hoje nos mercados de dívida seriam suficientes para os alertar) que se trata de um presente envenenado.

Na minha opinião, a resposta mais racional do PSD seria abster-se invocando três argumentos: i) a inexistência de dados que permitam fazer uma avaliação da execução orçamental, ii) os riscos que a queda do Governo para a situação económica e financeira, e iii) a sua discordância face aos fundamentos da moção de censura. E anunciar essa sua posição o mais rapidamente possível.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Revolução no Egipto (V)


Num dia em que se manteve o impasse no braço de força entre os manifestantes e o regime de Mubarak (ver aqui) gostaria de recomendar este post do Pedro Correia no Albergue Espanhol. As situações não são a preto e branco e os receios aqui expressos por João Carlos Barradas são obviamente fundados, mas uma reacção dos países ocidentais exclusivamente baseada na "real politik" seria catastrófica para a imagem do Ocidente na "rua árabe" e fragilizaria sobretudo os muitos progressistas e moderados que felizmente existem no mundo árabe. Inviabilizando, provavelmente durante décadas, as esperanças numa nova relação de confiança que Obama anunciou no célebre discurso proferido em Junho de 2009 precisamente no Cairo, em que reafirmou a universalidade dos direitos humanos e da democrácia :
I know -- I know there has been controversy about the promotion of democracy in recent years, and much of this controversy is connected to the war in Iraq. So let me be clear: No system of government can or should be imposed by one nation by any other.
 That does not lessen my commitment, however, to governments that reflect the will of the people. Each nation gives life to this principle in its own way, grounded in the traditions of its own people. America does not presume to know what is best for everyone, just as we would not presume to pick the outcome of a peaceful election. But I do have an unyielding belief that all people yearn for certain things: the ability to speak your mind and have a say in how you are governed; confidence in the rule of law and the equal administration of justice; government that is transparent and doesn't steal from the people; the freedom to live as you choose. These are not just American ideas; they are human rights. And that is why we will support them everywhere.

Histórias que dispensam comentários (II)

Augusta Martinho deixou de ser vista e que a última vez que pagou o condomínio foi em Agosto de 2002, há nove anos.

Como a vizinha não aparecia, Aida Martins decidiu participar o seu desaparecimento à GNR. O processo ficou com o registo 2274/2002 e NUIPC 1086/07.2 TQSNT. “Disseram-me que não podiam chegar e abrir a porta”, diz Aida Martins. Que ela saiba, “nada foi feito” para investigar o paradeiro de Augusta Martinho.

Aida Martins resolveu então procurar alguém da família da vizinha. E conseguiu encontrar cinco sobrinhos que não se davam com a tia e um primo, Armando Gaspar de 84 anos. “Acompanhava-a sempre, às compras e ao médico”, diz ao PÚBLICO. E conta que a última vez que a viu foi antes de uma viagem até à Beira Alta onde tem uma casa. “Quando voltei fui lá a casa, fartei-me de tocar mas ela não abriu, nunca mais respondeu”. Resolveu então participar o caso à PSP. O auto de denúncia tem o número 2274/2002. Mas era preciso ordem do tribunal para abrir a porta do apartamento, explicaram-lhe. Por isso, ele resolveu dar notícia do desaparecimento ao tribunal de Sintra, conta. “Fui lá 13 vezes, ainda a semana passada por lá passei. Nunca consegui autorização para arrombar a porta”, afirma.

Também Laurinda Cardoso, vizinha do terceiro frente, estranhando a ausência de Augusta Martinho decidiu participar o seu desaparecimento à Polícia Judiciária. “Ainda cá vieram e telefonaram para cá uma duas vezes, perguntando se a senhora já tinha aparecido, mas mais nada”, diz.

Passaram nove anos. No chão da cozinha. Ninguém se interessou. Ninguém investigou.

Não fossem as Finanças e provavelmente ainda não se saberia. Que o cadáver de Augusta Duarte Martinho jazia há nove anos no chão da cozinha do apartamento em que vivia, na Rinchoa, em Rio de Mouro.

Mas havia uma dívida por liquidar e a ordem de execução de uma penhora.

Eram quase 17 horas de ontem quando uma agente da PSP da 89ª esquadra foi chamada para auxiliar à penhora de um apartamento na Praceta das Amoreiras. A casa já tinha sido vendida em leilão. No local estava, além da polícia, um funcionário das Finanças, a nova proprietária do apartamento que o ía visitar pela primeira vez e um serralheiro com a incumbência de arrombar a porta e colocar uma nova fechadura, procedimento banal neste tipo de situações.

No chão da cozinha do apartamento, encontraram o corpo em avançado estado de decomposição de Augusta Duarte Martinho que, no próximo sábado, completaria 96 anos. Os seus animais de estimação, um cão e dois pássaros estavam também mortos na varanda.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Revolução no Egipto (IV)


A gigantesca manifestação de hoje constituiu uma demonstração da capacidade de mobilização dos opositores a um regime egípcio que teima em resistir. Depois do dia de hoje a verdade é que não parecem existir muitas condições para uma solução que não passe pela resignação do actual Presidente, existindo sinais de que os EUA estarão a exercer pressões muito fortes nesse sentido.

O grande problema parece ser encontrar quem possa conduzir o Egipto durante um período de transição até à realização de eleições provavelmente no próximo Outono. Uma solução óbvia seria a de um executivo presidido pelo recém desigando vice-presidente. Não é, no entanto, claro como os protestantes reagiriam a esse cenário que se afigura ainda mais complicado na sequência da divulgação pela Wikileaks de um relatório da embaixada dos EUA em Tel-Aviv indicando que Suleiman seria o candidato preferido de Israel.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

HHhH - Laurent Binet


Heydrich foi um dos homens mais poderosos do III Reich. Braço direito de Himmler era conhecido por HHhH segundo as iniciais da expressão "Himmlers Hirn heiBt Heydrich" que significa o cérebro de Himmler chama-se Heydrich e que dá o título ao romance histórico de Laurent Binet.

Apesar dos seus esforços do autor para nos transmitir o fascínio por Jozef Gabčík et Jan Kubiš, os dois soldados checoeslovacos seleccionados para assassinar Heydrich, acto que pagam com a sua própria vida, morrendo na igreja de Praga onde se haviam refugiado e onde Gabčík se suicidou na cripta da igreja após resistir ao assalto dos alemães entre 27 de Maio e 18 de Junho de 1942. A grande personagem do livro é inegavelmente Reinhard Heydrich: aluno aplicado, amado pelos pais, violinista, pianista, esgrimista dotado, piloto, homem de uma coragem física inegável. Homem que depois de exonerado da Marinha por conduta desonrosa na sequência de um "caso de saias" tem uma carreira fulgurante nas SS e na hierarquia nazi que o levou a ser nomeado, em 1941, como Reichprotektor da Boémia e da Morávia, cargo que ocupava quando foi alvo do atentado que levou à sua morte que enfureceu Hitler e os nazis que retaliaram com várias represálias sobre os checos da qual a mais marcante tera sido o massacre dos habitantes de Lidice.

Apesar de Heydrich ser uma das figuras mais sinistras da história do século XX tendo estado envolvido desde o início no extermínio dos judeus tendo sido o promotor da célebre conferência de Wannsee e um dos arquitectos da "solução final", o livro não tem a intenção de explicar (muito menos compreender) o que o fez tornar-se num dos homem mais poderosos, perigosos e cruéis da Alemanha nazi.  Limita-se a descrever o seu percurso, que vai intercalando com a  história da Checoslováquia, onde mostra a cegueira de Chamberlain e Daladier durante a crise dos Sudetas que contrasta com a determinação e coragem de Benes e das muitas personagens - heróis anónimos - que ousaram combater a ocupação alemã.

domingo, 6 de fevereiro de 2011

Lembram-se dos centros de decisão nacional ?

Pessoalmente nunca fiquei muito convencido com a defesa patriótica dos "centros de decisão nacional", sempre preferi soluções de mercado e tendo a pensar que o mais importante é que as empresas sejam bem geridas. Mas, apesar disso (ou talvez por isso) não posso deixar de concordar com este artigo de João Vieira Pereira no Expresso (publicado no passado dia 21 de Janeiro) no qual coloca a questão que serve de título a este post.

Além do que aí se refere, gostaria ainda de chamar a atenção para o facto de que além da questão puramente económica, algumas das operações poderem suscitar muitas dúvidas do ponto de vista político. Não me choca absolutamente nada que os accionistas de uma empresa aceitem uma "boa" oferta vinda, por exemplo, de uma empresa angolana ou chinesa, mas já me causa algum incómodo que o Governo de Portugal ande activamente a promover os negócios entre empresas portuguesas e alguns regimes claramente autoritários, onde o respeito pelos princípios da economia de mercado tem dias.

Liedson


Um  dos primeiros conselhos que me deram para aumentar as "audiências" deste blog foi falar de futebol. O que me fez, pelo contrário, instituir como regra que não abordaria assuntos de futebol mesmo quando esse assunto (como sucedeu durante a "novela" Carlos Queiroz ou na actual discussão em torno da alteração dos estatutos da FPF) tinha claras ressonâncias políticas.

Não por não gostar de futebol. Muito pelo contrário, gosto bastante de futebol e recordo com saudades, quer os tempos em que os domingos à tarde eram dias de peregrinação ao velho Estádio da Luz onde, do terceiro anel, aprendi a perceber de futebol, quer os tempos da adolescência e mais tarde da faculdade em que passava tardes inteiras (principalmente aos sábados) a "jogar à bola". Mas porque, sinceramente, não me agrada o excesso de clubite que (infelizmente) parece ser inescapável sempre que o tema é futebol.

Mas, como não há regra sem excepção, achei não podia deixar de assinalar a saída de Liedson do Sporting. Confesso que não foi um jogador que me impressionasse quando chegou. Recordo que me pareceu um jogador tecnicamente evoluído, mas que não tinha nem a estatura, nem a velocidade nem a capacidade de aceleração que normalmente caracterizam os grandes avançados centro (o que provavelmente justifica que nunca tenha dado o "salto" para um dos grandes campeonatos europeus). Mas depressa me apercebi que o tinha claramente subvalorizado e que estava ali um grande jogador que conseguia compensar aqueles aspectos com a sua mobilidade e inteligência posicional verdadeiramente notáveis. Recordando-nos que uma das grandes belezas do futebol é precisamente essa diversidade com que é possível interpretar as diversas posições no campo.

Oito anos e 172 golos passados Liedson regressa ao seu Brasil e a verdade é que, apesar dos 11 golos que marcou ao "meu" Benfica , vamos todos sentir a sua falta nos relvados portugueses.

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Coro e Orquesta da Gulbenkian - 4 de Fevereiro


Um concerto para violoncelo e orquestra de Dmitri Kabalevsky com grande sentido melódico em que gostei particularmente do segundo andamento. A que se seguiu o concerto para piano e orquestra de Edvard Grieg numa magnífica interpretação de Sa Chen (na fotografia), que agarrou o público, logo desde o início vigoroso, e que lhe valeu a ovação da noite que retribuiu com um encore em que tocou a belíssima canção chinesa Autumn Moon Over the Calm Lake.

Na segunda parte tivemos uma cantata de Prokofiev baseada nas músicas que compôs para o filme épico  Alexander Nevsky de Sergei Eisenstein em que sobressaiu o penúltimo andamento intitulado "Campo de morte" que ilustra a cena do filme em que uma rapariga procura o seu amor no macabro campo de batalha em que jazem os mortos e moribundos que deram o seu sangue na batalha  em que o principe de Novgorod venceu os cavaleiros teutónicos (ver aqui a partir do minuto 84), em que ela canta:

One lies lifeless stabbed by sword,
Another, pierced by arrow
With their crimson blood have they fed our soil
He who fell for Rus in noble death
His dead eyes will I kiss,
His cold brow caress
And to him, brave lad, who remained alive
I shall be a true and a loving wife
I'll not wed a man for his handsomeness
Earthly charm and beauty fast fade and die
I shall marry a valiant man and true.
Hark, ye warriors brave, answer make to me !

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Revolução no Egipto (III)


Se é verdade que as cedências de Mubarak não foram suficientes para desmobilizar os manifestantes e crescem os sinais de que os EUA e a comunidade internacional deseja cada vez mais a sua saída como forma de obter uma estabilização da situação. Por outro lado, os manifestantes parecem não ter a força suficiente para, sem o apoio do exército, o derrubar e quanto mais tempo Mubarak for capaz de aguentar a pressão mais dificil será à oposição manter a pressão sobre o regime. O cenário no Egipto parece, portanto, ser uma situação de impasse e tudo dependerá daquela que vier a ser a evolução da posição dos militares.

Ciclone Yasi




"E assim, de repente, aquilo que parecia ter sido feito para um fim: a contemplação (...) transformava-se, em breves instantes, no mais forte dos inimigos (...) a tempestade que atirava árvores e pessoas contra o chão, devorava casas e animais domesticados, o mar que iluminado por movimentos que pertenciam ao domínio do não razoável afundava barcos e homens, esses sons grotescos dos relâmpagos, sons reveladores de uma indisposição fundamental, de uma inconformidade com a calma e a segurança da cidade, onde edifícios com instrumentos de defesa contra cataclismos se tornavam ridículos quando as verdadeiras forças desse museu falso se libertavam (...)"
Gonçalo M. Tavares, in Aprender a rezar na Era da Técnica

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Revolução no Egipto (II)


Concordo com este artigo de Henrique Raposo quando diz que a geração que hoje exige no Cairo a queda imediata do regime de Mubarak é diferente da geração nacionalista e da geração islamista. E pessoalmente muito gostaria (e desejo sinceramente) que o resultado final seja o triunfo da democracia. Com toda a humildade que a história nos obriga a ter, temo, porém, que as coisas não sejam assim tão simples.  Como os acontecimentos de hoje recordam, não existem ainda garantias de que seja possível uma transição pacífica, até porque continua a não existir uma liderança clara que permita negociar uma saída honrosa para o actual presidente.

Mais importante, uma vez obtida a queda do regime é provável que surjam divisões entre as diversas correntes que estão agora unidas contra Mubarak, não sendo claro que seja possível formar algum tipo de governo de unidade nacional que conduza o país até às próximas eleições.

Além disso, os jovens que se manifestam nas ruas do Cairo por uma mudança, não querem apenas a queda do regime e eleições livres. Querem acabar com a corrupção, querem emprego e melhores condições de vida. A probabilidade de que venham a sentirem-se desiludidos com os resultados que vierem a ser alcançados pelo futuro regime é elevada, o que pode conduzir a fenómenos de radicalização.

Finalmente, importa não esquecer que o Egipto não são apenas os 1-2 milhões que saíram à rua para derrubar Mubarak. O Egipto é um país com mais de 80 milhões de habitantes, taxas de crescimento demográfico e de analfabetismo elevadas e em que quase 30% da mão-obra, ainda, trabalha no sector agrícola.

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Revolução no mundo árabe


Num dia em que a onda revolucionária chegou à Jordânia forçando a queda do governo jordano, o Presidente Mubarak acabou de prometer reformas constitucionais, que não concorrerá às eleições de Setembro e que garantirá uma transição pacífica do poder, tentando apresentar-se como um garante da ordem e da estabilidade.

Concessões que, contudo, parecem ter surgido demasiado tarde e não parecem suficientes para satisfazer os manifestantes que estão claramente neste momento numa posição de força e exigem a renúncia imediata de Mubarak.

PS: O facto de após quase uma semana de protestos não ter emergido uma liderança clara da oposição torna particularmente dificil encontrar uma solução negociada.