Numa entrevista que merece ser lida publicada na secção P2 do Público de hoje Christophe Dejours refere a dado passo que num estágio de formação em França "no início, cada um dos 15 participantes, todos eles quadros superiores, recebeu um gatinho. O estágio durou uma semana e, durante essa semana, cada participante tinha de tomar conta do seu gatinho. Como é óbvio, as pessoias afeiçoaram-se ao seu gato, cada um falava do seu gato durante as reuniões, etc, etc. E, no fim do estágio, o director do estágio deu a todos a ordem... de matar o seu gato". Confesso que neste ponto ansiei que a história ainda tivesse um final "feliz" que, no caso, passaria pela recusa dos "formandos" em cumprir a ordem. Mas infelizmente não foi o que sucedeu: apenas um dos participantes, uma mulher (que teve uma descompensação aguda), se recusou a cumprir a "ordem". Os outros 14 cumpriram a ordem, mataram os gatos e (embora a entrevista não o diga) serão provavelmente quadros bem sucedidos.
Sinceramente não sei se me choca mais o facto de alguém poder ter imaginado esta técnica de "formação" se o facto de 93% dos intervenientes ter aceitado cumprir a ordem. A meio desta parte da entrevista, a entrevistadora aponta estamos pois perante um cenário totalmente nazi e Dejours responde "Só que aqui ninguém está a pontar uma espingarda à cabeça de ninguém para o obrigar a matar o gato".~
Lembrei-me que (como quem já leu Arendt sabe) a maioria dos nazis eram chefes de família, funcionários que se "limitavam a cumprir ordens"... e recordei em particular uma passagem do livro "O Leitor" de Bernhard Schlink:
"- Ah o senhor quer entender o que é que faz com que os homens possam cometer coisas tão medonhas.
(...)
- Tem razão, não havia guerra nem nenhum motivo para o ódio. Mas o carrasco também não odeia aquele que vai executar e, contudo, executa-o. Porque lho ordenaram? Pensa que ele o faz porque lhe foi ordenado ? (...) Não, não estou a falar de ordens e da obediência. O carrasco não obedece a nennhuma ordem. Faz o seu trabalho e não odeia os que executa, não se vinga deles, não os mata porque estão no seu caminho ou porque o ameaçam ou o atacam. São-lhe totalmente indiferentes, tanto os pode matar como não matar."
Claro que os motivos dos nazis eram diferenciados e entre eles havia pessoas vingativas e desmesuradamente cruéis... mas a mim custa-me particularmente esta indiferença fria e desumana que esta "formação" pretendia "cultivar" naqueles quadros "superiores".
sábado, 30 de janeiro de 2010
quarta-feira, 27 de janeiro de 2010
As oposições e o OE
A viabilização do Orçamento do Estado pelo PSD e CDS é um claro acto de calculismo político para evitar umas eleições que verdadeiramente ninguém deseja porque todos (excepção talvez feita ao BE) percebem que muito provavelmente a sua situação política se manteria ou deterioraria e que o Presidente da República obviamente não deseja. Neste cenário o partido que eventualmente teria mais a perder será o CDS que colocaria em risco o peso parlamentar que actualmente detém e por isso não é de estranhar que seja aparentemente o mais interessado em assegurar a passagem do OE.
Dito isto lendo o OE, não se vislumbram quais os resultados das longas negociações com o Governo que permitem que estes partidos se revejam minimamente no Orçamento proposto pelo Governo e que justifiquem politicamente o seu voto, o que provavelmente significará que após a viabilização do Orçamento na generalidade ainda podem surgir alguns sobressaltos durante a discussão na especialidade e antes da posterior aprovação final.
É entretanto incompreensível que, numa gestão politica desastrosa, o PSD em vez de se centrar nas questões centrais que ese OE coloca e aproveitar politicamente as obvias dificuldades do Governo neste dossier se tenha deixado enlear numa novela em torno da (eventual) alteração da Lei das Finanças Regionais em que assume posições contraditórias com o seu discurso "oficial" relativamente ao "interesse nacional". Por isso e exclusivamente por isso se compreende a posição que o PS e o Governo, a quem interessa obviamente a manutenção deste tema na agenda política, têm vindo a assumir neste dossier .
Entretanto à esquerda discretamente, o BE e o PCP preparam-se para capitalizar com o descontentamento que irá inevitavelmente resultar de uma politica de ajustamento orçamental que é inevitável e indispensável, mas que ninguém tem a capacidade política de assumir e explicar convenientemente aos portugueses.
Dito isto lendo o OE, não se vislumbram quais os resultados das longas negociações com o Governo que permitem que estes partidos se revejam minimamente no Orçamento proposto pelo Governo e que justifiquem politicamente o seu voto, o que provavelmente significará que após a viabilização do Orçamento na generalidade ainda podem surgir alguns sobressaltos durante a discussão na especialidade e antes da posterior aprovação final.
É entretanto incompreensível que, numa gestão politica desastrosa, o PSD em vez de se centrar nas questões centrais que ese OE coloca e aproveitar politicamente as obvias dificuldades do Governo neste dossier se tenha deixado enlear numa novela em torno da (eventual) alteração da Lei das Finanças Regionais em que assume posições contraditórias com o seu discurso "oficial" relativamente ao "interesse nacional". Por isso e exclusivamente por isso se compreende a posição que o PS e o Governo, a quem interessa obviamente a manutenção deste tema na agenda política, têm vindo a assumir neste dossier .
Entretanto à esquerda discretamente, o BE e o PCP preparam-se para capitalizar com o descontentamento que irá inevitavelmente resultar de uma politica de ajustamento orçamental que é inevitável e indispensável, mas que ninguém tem a capacidade política de assumir e explicar convenientemente aos portugueses.
domingo, 24 de janeiro de 2010
A candidatura de Manuel Alegre
Apesar de ser um candidato a não menosprezar, a esperada candidatura de Manuel Alegre constitui uma boa notícia para Cavaco Silva. Em primeiro lugar porque ao contar com o apoio do Bloco de Esquerda e de uma parte significativa do PS inviabiliza na prática a apresentação de uma candidatura alternativa de centro-esquerda na medida em que um candidato com esse perfil, como seria por exemplo o caso de Jaime Gama, terá muita dificuldade em passar a uma segunda volta das eleições Presidenciais, que teria fortes possibilidades de vencer.
Além disso, o evidente entusiasmo do BE contrasta claramente com as hesitações e até algum embaraço de alguns sectores do PS que notoriamente prefeririam outro candidato (que a aparecer não deixaria de ser usado pelo BE como uma demonstração da recusa do PS de uma união da esquerda), o que tenderá a dificultar a penetração no eleitorado do centro facilitando a sua conquista pela candidatura de Cavaco Silva que, no cenário provável em que não surja outro candidato da área do PS, terá fortes possibilidades de ser reeleito logo na primeira volta.
Além disso, o evidente entusiasmo do BE contrasta claramente com as hesitações e até algum embaraço de alguns sectores do PS que notoriamente prefeririam outro candidato (que a aparecer não deixaria de ser usado pelo BE como uma demonstração da recusa do PS de uma união da esquerda), o que tenderá a dificultar a penetração no eleitorado do centro facilitando a sua conquista pela candidatura de Cavaco Silva que, no cenário provável em que não surja outro candidato da área do PS, terá fortes possibilidades de ser reeleito logo na primeira volta.
domingo, 10 de janeiro de 2010
Ainda sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo
Para mim a intervenção do debate sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo foi a de Helena pinto do BE que colocou a nu o absurdo da solução proposta pelo Governo e que foi aprovada com os votos de toda a esquerda. Por muito que custe a José Sócrates a verdade é que esta opção não apenas "ensombrou" o efeito pretendido pela alteração como se arrisca a vir a colocá-lo numa situação muito dificil. Basta que o Presidente da República submeta o diploma à consideração do Tribunal Constitucional (como julgo aliás ser sua obrigação face às manifestas dúvidas existentes) e este venha a declarar a norma relativa à adopção como inconstitucional para forçar nova discussão na Assembleia da República em termos claramente desfavoráveis ao Governo / PS que seria forçado a optar entre "adiar" a legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo, aceitar a adopção por "casais" homossexuais ou remeter a questão para referendo.
Do debate fiquei também com dúvidas quanto às razões que levam deputados (neste caso à esquerda) a votar favoravelmente diplomas que entendem abertamente ser inconstitucionais e que, portanto, sabem (ou pelo menos julgam) ser ilegais.
Do debate fiquei também com dúvidas quanto às razões que levam deputados (neste caso à esquerda) a votar favoravelmente diplomas que entendem abertamente ser inconstitucionais e que, portanto, sabem (ou pelo menos julgam) ser ilegais.
sexta-feira, 8 de janeiro de 2010
Sobre o casamento de pessoas do mesmo sexo
Confesso que foi tema a que nunca dediquei atenção. Principalmente porque estou convencido que é uma questão que se dirige à infima minoria dos homossexuais que pretenderá efectivamente casar-se caso a lei lhes abra essa possibilidade e também porque penso que a alteração da lei pouco ou nada contribuirá para reduzir a discriminação social e sobretudo da familia e "amigos" essas sim geradoras de angustias e dramas pessoais. Confesso também que sou sensível a alguns dos argumentos históricos em favor da manutenção da actual definição legal de casamento e que por todas estas razões penso que a solução prática dos problemas práticos em termos de determinados direitos jurídicos habitualmente associados ao casamento deveria ser encontrada no âmbito do instituto das uniões de facto ou, eventualmente, da criação de um instituto legal específico. Trata-se contudo de uma questão mais simbólica do que substancial e sinceramente compreendo a posição dos que valorizam a importância simbólica do alargamento do casamento a pessoas do mesmo sexo.
O que não consigo perceber é a maioria alargada que parece ter-se criado em torno da questão da exclusão da possibilidade de adopção por "casais" do mesmo sexo. Em primeiro lugar porque se a ideia seria acabar com as discriminações não compreendo que como sucede na proposta do Governo a mesma lei institua uma discriminação criando um casamento de segunda. O que me parece tanto mais absurdo quanto, além de absolutamente injustificada, a lei actual já permitia a adopção por uma pessoa não casada. Significará isto que alguém que tinha o direito de adoptar perde esse direito quando contrair casamento com pessoa do mesmo sexo ? E se essa pessoa já tivesse adoptado um menor anteriormente a contrair casamento ? Tal restrição será compatível com a Constituição ?
Aparentemente sou dos poucos portugueses que preferindo uma solução que não alterasse a configuração legal do instituto do casamento aprovaria que duas pessoas do mesmo sexo (ou de sexos diferentes) em situação de união de facto pudessem adoptar nos termos e condições legalmente previstos para os casados ou seja depois de verificada a sua capacidade para acolher, criar e educar a criança e quando tal solução correspondesse ao melhor interesse da criança.
O que não consigo perceber é a maioria alargada que parece ter-se criado em torno da questão da exclusão da possibilidade de adopção por "casais" do mesmo sexo. Em primeiro lugar porque se a ideia seria acabar com as discriminações não compreendo que como sucede na proposta do Governo a mesma lei institua uma discriminação criando um casamento de segunda. O que me parece tanto mais absurdo quanto, além de absolutamente injustificada, a lei actual já permitia a adopção por uma pessoa não casada. Significará isto que alguém que tinha o direito de adoptar perde esse direito quando contrair casamento com pessoa do mesmo sexo ? E se essa pessoa já tivesse adoptado um menor anteriormente a contrair casamento ? Tal restrição será compatível com a Constituição ?
Aparentemente sou dos poucos portugueses que preferindo uma solução que não alterasse a configuração legal do instituto do casamento aprovaria que duas pessoas do mesmo sexo (ou de sexos diferentes) em situação de união de facto pudessem adoptar nos termos e condições legalmente previstos para os casados ou seja depois de verificada a sua capacidade para acolher, criar e educar a criança e quando tal solução correspondesse ao melhor interesse da criança.
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