quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Húmus - Raul Brandão

Um livro que é uma reflexão, a duas vozes, sobre a angústia existencial, Deus, a vida e a consciência:

""Se Deus existe, se tenho a certeza que Deus existe e se interessa pela minha dor, esta vida transitória é um único minuto com a eternidade à minha espera. Tudo me parece fácil. Que exige o meu Deus? Que me reduza a pó e despreze a aparência? Tudo é vão diante da eternidade que me espera. O meu Deus enche o mundo. Só o meu Deus existe, e todo o resto no universo é tão pequeno e tão fútil, que reclamo mais dor, mais sofrimento, mais fome.(,..) Sou capaz de andar de rastro com a boca no pó, sou capaz de sofrer todos os tormentos, com a certeza de ver Deus. (,,,) Até à morte hei-de crer no que creio. Sem crer não sou nada - sem crer não existo - sem crer não compreendo a vida. Crer é uma necessidade absoliuta, um sentimento primário, a própria vida, sua razão e seu fim. tenho necessidade de Deus como do ar que respiro. Sem Ele a vida é desconexa e atroz; pior, é monstruosoa. Creio porque creio. Se a vida se reduzisse só a isto, a vida seria abjecta. Dentro em mim tudo me fala numa lei, numa lógica, numa razão de ser, num sentido. Eu vejo Deus, eu sinto Deus.
Mas se Deus não existe - se Deus não existe que me fica no mundo? Sou nada no infinito. Fui tudo - e sou nada, Leva-me a força bruta. (...) Se Deus não existe tanto faz gritar como não gritar. Não tenho destino a cumprir: saio do nada para o nada
(...)
Tens de existir por força. Tens de existir pelo que sofremos e pelo que criamos. És a única luz nesta escuridão cerrada, a única razão como verdade ou como mentira. Existe aquilo que eu quero que exista, é verdade aquilo que eu quero que seja verdade, aquilo que eu e os meus mortos transformamos em verdade. A fé é a maior de todas as forças desabaladas, mais viva que todas as vidas. Compreendo a inutilidade de todos os esforços e faço pela mentira o esforço que fazia pela verdade. Tenho de te manter à custa do desespero."

Em que o autor num final sofrido, algo confuso de um livro talvez mais repetitivo envereda por uma visão panetista da vida e do universo:

"(...) Só há um momento em que o compreendemos. Mas nesse momento já não podemos voltar para trás. É quando, fazendo ainda parte dos vivos, fazemos já parte dos mortos. Não só a sensibilidade é universal - a inteligência é exterior e universal. O universo é uma vibração. A vida é uma vibração da vibração. (...) O sonho completo é o universo realizado. (...) Cada alma é desmedida e trágica e vem desde os confins da vida até ao infinito da vida. (...) Cada ser é um ser completo e doitrado, atinge a beleza e Deus. As florestas já mortas, a luz das estrelas desaparecidas no caos - tudo aqui está presente. O esforço dos mortos, o sonho dos mortos, o reflexo da ternura, a mão que amparou, a boca que sorriu, levadas pelo vento que soprou há dez mil anos, aqui estão vivos. (...) O gesto esboçado há milhares de anos, e perdido, consumido, conseque hoje realizar-se, o grito que a morte calou numa boca ignorada, faz eco no mundo. (...) Todos os sonhos são realidades (...) Só os sonhos são realidades nesta noite quieta e caiada. (...) A morte já não tem a mesma significação. (...) Para que é que eu existo e tu existes ? (...) isto não és tu! isto não sou eu! isto é a vida temerosa, de que tu não representas senão uma insignificante partícula. Tu não és nada, a vida é tudo."

Uma "conclusão" que dá um um outro sentido e significado à frase de abertura do livro "Ouço sempre o mesmo ruído de morte que devagar rói e persiste" e a diversas outras passagens dos capítulos iniciais como "Tudo o que faço é um arremedo. Está ali outra coisa quando falo, quando me calo, quando me rio. E falo mais alto porque a ouço mexer" ou "É um erro supor que o homem ocupa um espaço limitado no universo: cada homem vai até ao interior da terra e até ao âmago do céu".

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