Numa altura em que o país enfrenta sérios problemas estruturais agravados por uma situação conjuntural dificilima, em que o desemprego se aproxima dos 10%, o défice das contas públicas se aproxima dos 8% e o endividamento externo ultrapassou os 100% e aumenta a um ritmo alucinante a última coisa de que o país necessitava era de um caso que desgastasse o Governo de maioria relativa recém eleito e debilitasse ainda mais a credibilidade das instituições democráticas já tão afectada pelos vários casos que afectam vários dos principais actores do nosos sistema político.
Infelizmente as coisas são o que são e não o que gostaríamos que fosse e acho que a única maneira de superarmos as dificuldades é enfrentando-as. Espero por isso que, numa altura em que a comunicação social se perde em minuciosas análises jurídicas, os protagonistas políticos e, em especial o primeiro-ministro tenham a lucidez política suficiente para evitar a tendência para confundir as esferas do direito penal e da política.
A política não pode estar dependente dos critérios e formalismos que são exigidos no processo penal. O grau de exigência e responsabilidade que a ocupação de cargos públicos envolve não é compaginável com os requisitos e formalismos previstos no Código do Processo Penal em que, muito bem, impera o princípio da presunção de inocência que não pode existir na actividade política. E não podem valer para anatemizar uma leitura política sobre quaisquer factos conhecidos que, por qualquer razão, não constituam meios de prova legalmente admissiveis em processo penal.
As conversas pessoais que o primeiro-ministro possa ter tido com amigos é algo que sinceramente não me interessa minimamente. Mas, indepentemente da sua validade e/ou consequências penais, quaisquer elementos que indiciem ou comprovem o envolvimento de um titular de cargos públicos em actos ilicitos ou ainda que sendo licitos o associem a uma eventual tentativa de obter ou influênciar decisões que afectem "amigos" ou que revelem uma relação de promiscuidade com grupos económicos e/ou de comunicação social têm (e não devem deixar de ter) uma leitura política.
Não sei se o primeiro-ministro deve (ou não) tomar a iniciativa de esclarecer os factos. Embora pessoalmente preferia que o fizesse porque entendo que talvez fosse essa a melhor forma de ultrapassar esta questão e concentrar as energias do Governo e do país nos problemas prementes que tem que enfrentar. Mas tome o primeiro-ministro a opção que tomar essa opção tem (e deve ter) uma leitura política.
PS: Este caso parece estar a provocar um inusitado (e perigoso) desgaste em alguns sectores que se tem evidenciado no apoio ao PS/Governo, sendo sintomático este post de João Pinto e Castro no Jugular.
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