"(...) os resultados eleitorais em democracia permitem duas consequências - a legitimidade de governar e de o fazer com o programa com que se apresentou ao eleitorado -, mas não dão uma caução racional a esse programa. Ironicamente José Sócrates disse-o na sua intervenção de despedida, ele que nunca aplicou a si próprio tal distinção entre a força do voto e a razão programática. Em bom rigor, em democracia não há racionalidade no sentido filosófico a não ser como «razão política», no sentido da «razão» legitimada quer pelo voto quer pela assunção da diferença das paryes que são os partidos. Ou seja, é na sua essência plural e contraditória e não única (...)
Exactamente porque estamos em democracia, a política expressa ideologias, maneiras diferentes de ver o mundo, interesses sociais diversos, mesmo personalidades e estilos que podem convergir ou afastar-se, mas que nunca são um «partido único». Esta ideia é muito comum na concepção tecnocrática do exercício do poder que considera que as soluções técnicas são indiscutíveis e por isso devem ser aplicadas em qualquer circunstância, independentemente da vontade popular, acabando por considerar que a política e a democracia são apenas fontes de ruído que impedem o governo perfeito, um governo de «sábios», um governo de burocratas. (...)"
(excerto da crónica publicada no jornal Público de ontem)
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