domingo, 20 de março de 2011

Cotovia - Deszso Kosztolanyi


É um pequeno romance absorvente que se lê de um só trago.

A história que se passa em 1899 é muito simples: um casal idoso - os Vajkay - da pequena burguesia e a sua filha - Cotovia - solteirona, que vai passar uma semana de férias a casa do tio, deixando os pais que se habituaram a ter a filha por perto e depender dela um pouco perdidos numa pequena cidade (ficcionada ?) chamada Sarszeg que vão redescobrir, redescobrindo-se a sim próprios. Criando um pequeno microcosmos que Kosztolanyi, com um  estilo elegante, enganadoramente simples, e poético - que me maravilhou - com que conta uma pequena tragédia que, como todas as tragédias, é universal.

O livro começa com a partida de Cotovia  "boa rapariga, muito boa mesma", mas feia e que, por isso, aos 35 anos continua "solteirona", para seu desespero e tristeza dos pais, que percebe-se ao longo do livro encontrava o seu único conforto no amor dos pais e no facto de lhes ser útil. E uma das "cenas" mais conseguidas do livro é a da partida em que Cotovia na estação de comboio "tentou sorrir, mas não se atrevia a falar. Receava que a sua voz lhe estrangulasse", para logo após a partida desabar num vale de lágrimas incessante que o autor descreve de forma magistral. Lágrimas que depois de acabarmos o livro ficamos sem saber se são a dor da separação ou o receio de que os que ficam - os pais - se adaptem demasiado bem à sua ausência  porque como nos diz o autor, um pouco depois, "Quem parte é alguém que desaparece, se aniquila, já não existe. Vive exclusivamente como lembrança, que visita frequentemente a nossa imaginação. Sabemos que está algures, mas não o vemos, tal como os que morreram".

É a história da infelicidade de Cotovia apavorada pela solidão a que se sente condenada após a morte dos pais e da impotência dos pais perante a tragédia pessoal de Cotovia: "Não decidiam o que desejavam. Não encontravam nenhuma solução, mas, ao menos estavam cansados. O que era alguma coisa." Tragédia imerecida, que os tortura, e que nos afasta das histórias dos "livros edificantes  (...) que ensinavam verdades morais, demonstrando que os factos mais confusos e, em si mesmos, os mais incompreensíveis, têm uma relação entre eles, uma coerência, donde se pode extrair uma moralidade, como, por exemplo, «o trabalho merece recompensa», «o mais cedo ou tarde recebe justo castigo», o que nos embala na doce ilusão de que ninguém sofre sem ter merecido, e ninguém morre sem razão com um cancro no estômago".

O contrário deste romance onde ressalta a "injustiça" e a aleatoriedade de um sofrimento sem culpados nem responsáveis. E a forma crua como o autor descreve o vazio e a ausência de sentido da vida daquele micro-cosmos, daquela sociedade pequeno-burguesa naquela pequena cidade húngara, onde o chefe de estação que, embora tendo vergonha dos seus "amigos", não se podia afastar deles "porque o que o ligava a estes comppinchas, só unidos pelos laços poderosos das paixões, da mesquinhez e da crueldade, era o seu deserto de incultura, e apreciar as brincadeiras imbecis, as suas piadas indecentes", com o seu grupo dos Panteras onde se juntavam os homens de boas famílias "com o objectivo não dispeciendo de popularizar o consumo de álcool e cultivar a amizade viril" para os quais "Quem vomitava duas vezes divertia-se melhor do que quem vomitava só uma. Na véspera, alguns  tinham vomitado três vezes, donde se seguia «terem-se divertido brilhantemente»", sublinhando o ridículo provincianismo da sua vida "cultural" e social.

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