Bem sei que as campanhas eleitorais sempre foram um período mais propenso a casos e provocações do que à reflexão e ao debate sobre o futuro do país, mas antes uma forma de através de comícios, jantaradas e arruadas - que actualmente são sobretudo encenações para "aparecer" na comunicação social - mostrar a "força" dos partidos e, mais do que convencer, mobilizar votantes para o acto eleitoral. Um período mais propenso a provocações e casos do que à ponderação reflexão.
Não deixa, contudo, de ser algo estranho que nos últimos dias, apenas se tenha falado do Memorando a propósito da existência de duas versões distintas, cujo aspecto mais relevante parece ser o facto de o Governo não ter cumprido o dever de informado os restantes partidos das diferenças que, em condições ainda não completamente esclarecidas (por exigência de quem ? porque se adoptaram opções que prevêm prazos mais curtos ?), terá sido necessário introduzir na versão final. E que, num momento particularmente crítico para o nosso país o período de campanha eleitoral não esteja a constituir um momento para discutir a forma como cada partido - estou naturalmente a referir-me ao PSD, PS e CDS-PP, já que CDU e BE se auto excluíram deste processo - se propõe implementar o programa de ajustamento constante do famoso Memorando.
Neste contexto geral de vacuidade as entrevistas de Pedro Mexia e Ricardo Costa a José Sócrates e de Pedro Passos Coelho (publicadas na Única de ontem) constituem uma leitura interessante que nos permite vislumbrar de outra forma o pensamento dos líderes dos dois principais partidos.
Na sua entrevista, o primeiro-ministro demissionário surge igual a si próprio, atacando o que considera ser o "aventureirismo ideológico do PSD", insisitindo em trazer para o debate eleitoral as propostas do PSD para a revisão constitucional que qualifica como constituindo uma "mudança absolutamente radical", apresentando-se a si próprio como um defensor do modelo social europeu e como um político pragmático e disponível para o consenso. O mais interessante nesta entrevista é o facto de as únicas reformas a que se refere "da energia, da segurança social, da ciência, da educação, do Simplex, do plano tecnológico" constituirem iniciativas da primeira fase da legislatura de 2005-2009, que não haja qualquer referência a qualquer das medidas que o Governo tenha tomado na legislatura que agora finda e, muito menos, qualquer admissão de erro. Para Sócrates "fomos apanhados na crise da dívida soberana em 2010 e isso foi uma novidade para a Europea. Os mercados nunca tinham desconbficado da capacidade dos europeus pagarem dívida. Nem eu nem ninguém previu ou adivinhou uma situação destas", insistindo ainda uma vez mais que caso o PEC IV tivesse sido aprovado teria sido possível evitar o recurso à assistência do FMI e da UE. Reveladoramente a entrevista caracteriza-se pela quase ausência a qualquer ideia ou programa para o futuro excepto a necessidade de cumprir o programa de ajustamento e a identificação do "corporativismo" como "o principal problema das sociedades democráticas contemporâneas".
Na sua entrevista Pedro Passos Coelho um aspecto saliente é grande parte ser dedicada a justificar a actuação do partido nos últimos meses como: i) a falta de estabilidade das propostas, ii) a gafe de Diogo Leite Campos, iii) a exposição da sua vida familiar; iv) a escolha de Fernando Nobre ou v) a não inclusão de Pacheco Pereira nas listas de candidatos a deputados, a que, excepto no último caso, respondeu de forma adequada e tranquila, embora nem sempre particularmente convincente.
Do ponto de vista político achei particularmente importante a sua afirmação de que o futuro governo "deve, na sua composição, ser o mais aberto possível" e interessante a sua afirmação relativamente à do CDS sobre o qual refere que "andou demasiado tempo preocupado em marcar a sua diferença com o PS e, portanto, a bater nas políticas de Sócrates, e chega agora às eleições e troca essa diferenciação com o PS para apostar numa maior diferenciação em relação ao PSD", parecendo não perceber que isso foi uma reacção natural à recusa do PSD em aceitar uma coligação eleitoral e ao facto de a conjugação de algumas dificuldades de afirmação da liderança do PSD com a sua opção por um programa mais liberal ter propiciado ao CDS uma oportunidade que este tentou explorar.
No que respeita ao programa, o mais interessante consiste na assunção de uma filosofia económica mais liberal que expressa através da afirmação de que "quanto o PS fez um conjunto de privatizações a pensar na possibilidade de reduzir a dívida, o PSD defende as privatizações porque acha que o Estado não deve ser dono de empresas". Curiosamente esta é também eventualmente a parte menos conseguida da entrevista ao revelar alguma dificuldade em conciliar de forma suficientemente coerente esta posição e defesa de promoção da concorrência com a proposta de privatização de alguns "monopólios naturais", parecendo ter tido alguma dificuldade em concretizar qual a "mudança de regime económico", a propósito do que reintroduz o tema da revisão constitucional. É certo acaba por se perceber o sentido da afirmação quando um pouco depois refere que essa mudança "está muito facilitada proque aquilo que tenho vindo a dizer que é preciso fazer, em parte, está nesse documento", teria sido todavia interessante que tivesse enunciado de forma mais expressa as linhas essenciais dessa mudança.
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